Apesar de não ser de lá do sertão, do cerrado, do interior do mato nem da caatinga do roçado, eu também não sei ficar na cidade sem viver contrariado, parafraseando Gil e Dominguinhos. Ouvindo essa música eu penso em como, por toda a minha vida, eu me senti um estrangeiro onde quer que eu estivesse, com exceção de poucos lugares, dos quais tratarei mais adiante. Infelizmente eu nasci em uma cidade grande, cresci em uma e, me mudei para outra e, por enquanto, continuo vivendo na mesma. Tudo isso contra a minha vontade, inclusive meu nascimento. As pessoas acham que estou de troça quando me perguntam de qual lugar eu gosto, em qual cidade eu gostaria de morar ou qual meu bairro preferido, e eu respondo “nenhum”. Pois é o que eu sinto. Eu não gosto de, como já disse antes, praticamente lugar nenhum. Dentro de uma cidade grande então, não há lugar onde eu me sinta bem. Por uma questão de afinidade, costume e pela própria natureza da cidade, meu lugar preferido no mundo é Niterói, mas ainda assim é uma cidade grande demais com cidade demais pra mim.
Sou como rês desgarrada, nessa multidão boiada andando a esmo. Às vezes quando estou em um lugar alto, e de lá vejo prédios, fábricas, carros, pessoas, trens, eu imediatamente me interrogo o que diabos eu estou fazendo ali. Ou quando passo a pé por bairros como Copacabana ou Botafogo, com uma densidade demográfica de formigueiro em dia de chuva. Ou quando me chamam para fazer algo “na natureza” e a natureza é uma cachoeira em uma “floresta” a dez minutos de algum shopping, e que na verdade é menor que um bairro pequeno. Isso é um jardim grande cercado de cidade, isso não é natureza. Meu incômodo não é necessariamente estar na natureza ou no mato ou algo assim, meu incômodo é saber que, a poucos metros ou quilômetros de mim, há uma verdadeira selva de cimento, eletricidade, gente, ferro e barulho. Não tenho o costume de “fugir” para cachoeiras ou parques porque sei que, quando voltar, vou continuar me sentindo um deslocado. Meu problema não é ir. Meu problema é ficar.
Eu quase não saio, eu quase não tenho amigo. É tudo muito e, graças a um mal funcionamento do meu cérebro que a ciência ponderou chamar de transtorno e de “conjunto de características”, esse muito pra mim é demais. Pouco já é demais. Este excesso de estílumo, sons, luzes, vozes, cores, é tudo muito, é tudo demais. Invejo o Super Homem do filme dos anos oitenta, que podia voar até o Ártico e descansar um pouco cercado somente de pinguins e gelo, sem ligações de telemarketing nem campainhas de vizinhos fazendo o seu cachorro latir. Apesar de admitir que sentiria falta dos antibióticos, da Coca-Cola e de banho quente, às vezes me indago se não teria sido melhor ter nascido algumas décads - quiçá séculos - atrás. Ou à frente, depois de uma crise global onde a tecnologia regridiria até o nível da Idade Média e viveríamos em uma sociedade pré revoluçao industrial novamente. Que Deus ouça esta profecia deste sertanejo de Niterói.
Não gosto de cama mole e não sei comer sem torresmo. Não me entendam mal, este texto não é, de maneira alguma, uma ode contra a tecnologia, que inclusive eu uso e até gosto, ou contra a civilização ou contra os avanços da humanidade. Muitíssimo pelo contrário, sou um entusiasta dos avanços da medicina, da ciência, sou um consumidor ávido de artigos e literatura científica. Ainda que eu me mudasse para uma fazenda no interior do Goiás lá eu teria wifi, celular, computadores e uma airfryer. Meu problema não são essas coisas, meu problema é viver em uma caixa de cimento cercada de outras caixas enormes de cimentos e me locomover em uma caixa de aço cercado por outras milhares de caixas de aço. Meu problema é ter que ir no canteiro do meu condomínio se eu quiser ver orvalho. Meu problema é não conseguir ficar na cidade sem ficar contrariado. E hoje em dia quase tudo é cidade. Hoje em dia tudo é demais. Cansa a gente. Cansa as gentes.