Dia desses eu estava em um bar com algumas pessoas. Perdão, pessoas não, artistas. O garçom trouxe cerveja e começaram a encher os copos. Perguntaram o que eu preferia, e eu disse que não preferia nada, porque eu não bebia. E eis que:
Pessoa 1 – Como assim você não bebe?
Eu – É, não bebo não.
Pessoa 2 – Parou?
Eu – Não, nunca bebi.
Pessoa 1 – Nada, nada? Nunca bebeu nada?
Eu – Já provei quando era novo, mas não bebo.
Silêncio sepulcral.
Pessoa 2 – Não bebe nunca?
Eu – Não, nunca.
Pessoa 2 – Mas tu fuma muito?
Eu – Eu não fumo
Pessoa 2 indignadíssima – Mas maconha tu fuma, né?
Eu – Não.
Pessoa 2 já impaciente – Mas usa alguma coisa? Sintético? Rivotril com vodca?
Eu – Não, não, nada. De droga só tempero de miojo e jogo do Fluminense.
Minha piada sensacional foi prontamente ignorada, e o interrogatório continuou:
Pessoa 1 – Mas como você consegue não beber?
Eu – Ué, não bebendo. Não é tipo não respirar ou não comer, é só não beber.
Pessoa 1 – E como você socializa com as pessoas sem beber?
Eu – Eu não socializo com as pessoas, melhor ainda.
Pessoa 1 – Hahahaha! Mas e pra trabalhar? Você é escritor, não é? Você consegue criar e tal sem beber nem fumar?
Minha pergunta preferida.
Eu – Você faz o que?
Pessoa 1 – Sou fisioterapeuta.
Eu – E você consegue tratar uma síndrome do túnel de carpo sem tomar uma cervejinha? Sem fumar um beck?
Pessoa 1 – Mas o seu trabalho precisa de criatividade, pô!
Eu – Mas continua sendo um trabalho. Você contrataria alguém que só consegue fazer o trabalho dele se beber ou fumar?
Pessoa 1 – Não...
Pessoa 2 rindo – Mas fala aí, você faz o que então, se você não bebe?
Eu – Bom, de manhã eu tomo banho, leio um pouco antes, depois passeio com o meu cachorro, faço mercado, sei lá, volto, trabalho, aí eu almoço. Às vezes eu lancho de tarde, às vezes não, jogo RPG dois dias da semana. Eu também leio bastante, escrevo, jogo Angry Birds pra dar uma relaxada, brinco com meu cachorro e o meu gato, jogo um fifinha, fifinha é bom, jogo bastante. Também desenho um bocado, levo bastante o carro no mecânico, aquela merda velha só me fode, eu também...
Rapidamente eles perceberam minha fina ironia e que eu nunca mais iria parar de falar, e me cortou com um “umrum”. E então o silencio se impôs.
Mas eu não sou panfletário contra as drogas, eu sou indiferente. Quer fumar, fuma, quer beber, bebe, o problema não é meu. Mas não venha encher o meu saco por eu não beber, simples assim. E eu não bebo porque realmente não gosto, assim como tem gente que não gosta de alface, tem gente que não gosta de refrigerante, e tem até gente que – pasmem – não gosta do episódio do Chaves em Acapulco. E eu não fico questionando isso. Não muito.
Quando eu encontro um vegetariano eu não fico perguntando: “Meu Deus, o que você faz da vida se você não come carne?”. Eu só quero que a minha preferência, que é não beber, seja respeitada como eu respeito as outras preferências. Às vezes, quando alguém pergunta como eu faço amigos sem beber, eu costumo dizer que se eu precisasse beber para fazer amigos eu procuraria terapia urgente. E espero os aplausos.
E sem querer fazer papel de vítima nem nada disso, mas essa é uma discussão que eu raramente vejo por aí. Vocês acham que mulheres sofrem preconceito? Pessoas negras? Isso não é nada perto da Ditadura da Bebida. O pior é o papo do “como você consegue flertar sem beber, cara? Ir a um date?”. “Você consegue flertar sendo um idiota completo, não beber não é nada perto disso”. É difícil manter a educação com o ser humano. Só bebendo mesmo.